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Lista dos temas disponíveis

 (capa)   (livro interno)

1- Laurindinha (Tradicional de Trás-os-Montes e Alto Douro)

2- Cantares do Andarilho (José Afonso)

3- Flor da Murta (Tradicional - versão de Maria Adelaide Paiva)

4- Conde Flores (Tradicional recolhida em Malhadas – Letra de Manuel Maria Barbosa du Bocage)

5- Oh meu Amor Quando Fores… (Tradicional – recolha do Grupo de Cantares de Manhouce)

6- Abertura 214 (avô mokka)

7- O Mostrengo (Rapsódia com a Carvalhesa Tradicional e a Cantiga do Sol Posto, ambas de inspiração revolucionária – Letra de Fernando Pessoa)

8- A Carvalhesa (Tradicional)

9- Chula Rabela (Tradicional – versão de Maria Adelaide Paiva)

10- A Dança das Oito Virgens (Tradicional em honra de N. Sª dos Altos Céus – Letra de António Gedeão))

11- Fui ao Douro às Vindimas (Tradicional – versão dos “Realejo”)

12- S. Gonçalo de Amarante (Tradicional)

13-   A Contradança de Tendais (Tradicional – recolha do Rancho Folclórico Da Casa do Povo de Tendais)

 

Todos os instrumentos foram tocados pelo avô mokka. Gravação, mistura e masterização feitas pelo avô mokka no verão de 2004. Design e capa da autoria do avô mokka. Edição dos Estúdios Mokka.

Livro Interior da edição de luxo:

Antes de mais, é de bom tom fazer uma apresentação geográfica:

No norte de Portugal, existe um maciço montanhoso constituído pelas serras de Gralheira, Freita, Arada e Montemuro.

De todas a menos habitada é a serra da Freita, onde ainda subsistem muitas maneiras antigas. Modos de vida como o pastoreio e a agricultura de subsistência, são ainda prática, nestes sítios onde a grande maioria das pessoas chega a passar mais de um ano sem deixar a serra.

Os invernos são passados na aldeia, que o tempo não permite viagens com os parcos meios destas gentes rústicas. De lugares como Covas do Monte, o Cando, a Lomba, a Agualva ou a aldeia da Pena, não se sai por auto estrada. Nas calçadas, quando são calçadas, estreitas e íngremes, o gelo impede os carros de circularem e o povo fica isolado, com as suas cogitações até ao próximo estio.

O gosto pelas cantigas de trabalho e de lazer, sobrepõe-se às cantigas ritmadas para bailar. As flautas, gaitas e cordas, marcam a paisagem sonora tradicional onde as concertinas não chegaram senão por empréstimo.

A Laurindinha (tradicional).

Vinda do outro lado do Douro, de uma região transmontana igualmente agreste e difícil, caiu no goto das gentes da Gralheira pela sua sonoridade serrana.

Há dezenas de cantigas, espalhadas pelo país, dedicadas a esta personagem de cem rostos, falamos da Dona Laurinda, naturalmente, e esta é mais uma delas.

Ao som da Gaita, do Cavaquinho e da Guitarra Clássica, junta-se todo um ambiente serrano, de sons característicos que ajuda a desenhar esta paisagem de fraguedos. Granito e urze, cabras, ovelhas e vacas arouquesas, recortadas contra um céu limpo e frio, enquanto ao fundo da ladeira queda a lagoa das águas do degelo distante do inverno a que os homens tiraram a liberdade com um dique de pedra e que está para ali queda e muda à espera da ressurreição que as chuvas lhe tragam.

Dedicamos esta cantiga ao lugar da Coelheira.

Cantares do Andarilho.

(autoria de José Afonso)

Um tema de José Afonso, de quem já quase tudo foi dito e nunca demais repetido. Natural da região, embora já fora do ambiente serrano, o autor soube recolher neste tema a essência do misticismo destas gentes serranas. Os lugares de que se fala ainda lá estão para quem os quiser visitar. O andarilho das bruxas ainda por lá anda no seu mister ancestral, herdado do pai e do avô.

Que os ventos da serra agreste os guardem aos dois, ao andarilho e à memória do grande José Afonso.

A Carvalhesa.

(tradicional transmontana)

Não é tanto uma cantiga tradicional da região como é um hino à identidade serrana.

Escolhemos tocá-la como a tocam os pastores, a solo. O acompanhamento deste tema deve ser entendido apenas como uma sucessão de acidentes que não fazem parte da melodia, apenas acontecem ao mesmo tempo.

Estamos convencidos de que ninguém terá inventado esta música. Cremos que terá sido o resultado natural da mistura de uma gaita de foles, um velho transmontano e um maciço de granito com mil metros de altitude onde o som agreste das palhetas de caniço imita e irrita as águias que por ali vivem e com quem o pastor rivaliza, às vezes apenas para poder ter alguém com quem rivalizar.

Alguns destes ruídos ouvem-se mesmo "in loco". Os outros? Imaginei-os eu enquanto olhava a manada dos bois arouqueses que vagueavam, mordiscando na urze e na murta, entre os pinheiros atarracados (ambos: os pinheiros e os bois).

Os pinheiros, neste sítio, na crista do maciço granítico, crescem num ângulo disparatadamente inclinado, talvez nos queiram dizer que aqui não há nada que seja vulgar. Nada nem ninguém segue as regras do mundo de lá de baixo, da planície. Aqui em cima, toca o chocalho da vaca ouve-se o roçagar dos cascos pelos galhos que atapetam os pequenos bosques castigados pela chuva, o vento, o gelo e a falta de ar. Só quando sol se inclina no poente é que as coisas parecem entrar em consonância com as leis da física, mas durante pouco tempo, que aí vem a noite e logo despertam outras almas fantásticas.

Conde Flores

Como é sabido, muita da música tradicional portuguesa jaze esquecida nos arquivos dos museus. E é bom quando assim é. Quer dizer que ainda não morreram. Numa de nossas incursões pelas auto estradas da informação, fomos dar com os costados nas gravações que Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira recolheram por esse pais fora e quis a fortuna que nos calhasse chegar aos ouvidos esta curiosa melodia. Por ser uma cantiga de melodia algo rebuscada, talvez criada em tempos muito remotos, não a temos ouvido tocada pelos nossos paladinos da música popular e a sua natureza, a um tempo rude e palaciana, convenceu-nos.

Num acesso de criatividade, decidimos recitar a compasso três belos epigramas de José Maria Barbosa du Bocage a propósito da profissão médica que, sem terem uma íntima relação com a melodia, introduzem uma nota intelectual de bom gosto.

Vamos dedicar esta cantiga ao lugar da Espiunca, cortado pelas águas do Paiva onde crescem as sereias peludas.

Flor da Murta

Mais uma melodia encontrada quase ao acaso pelo meio dos nossos desorganizados arquivos. A flor da murta, onde a abelha selvagem recolhe o parco néctar, embeleza mais uma das nossas paisagens.

Do fundo da garganta da Mizarela, onde as águas primaveris levantam um nevoeiro gelado ao sol da manhã, o coelho e a víbora fitam-se com evidente desconfiança, por entre as silvas que cobrem os penhascos ao longo da cascata.

Ali não há pé de gente desde o Outono anterior e ainda vai demorar para que o povo sinta vontade de mergulhar na lagoa que a torrente do degelo agita.

Esta é uma vista pouco vista do lugar de Albergaria das Cabras.

Abertura 212 Opus 4

(Sinfonia do acaso da autoria deste vosso criado)

Lembrei-me de juntar a atmosfera de certo sítio que conheço, os sons que me passam debaixo da careca, tocados por vários instrumentos diferentes. Enquanto mirava enorme parede rochosa por onde escorrem as águas que vem lá de cima da serra no inverno, surgiram sons, harmonias dispersas, acordes desgarrados, livres das regras dos homens. Músicas sem melodia, berros tortos e aleijados de instrumentos desafinados. Um sapo gordo olhava para mim espantado, por entre a erva de dentro de um socalco alagado.

O sapo tinha razão. A minha fantasia não chega para encher a realidade deste pequeno batráquio. Recolhi-me na minha pequenez, endireitei grande parte dos acordes (não todos, afinal o disco é meu) e juntei até uma pitada de melodia para engrossar a mistura. Dedico-a àquele meu amigo sapo lustroso, com quem confraternizei ao lado das quedas de água de Souto Mau.

Fui ao Douro às Vindimas I

Mais uma cantiga de trabalho e mais uma vez, uma melodia invulgar. Decididamente, algumas melodias de leitura mais difícil, ficaram mais pelo fundo dos arquivos e não foram nunca aproveitadas pelos grupos etnográficos que, quer queiramos quer não, são os maiores divulgadores das nossas cantigas. Pena é que não haja formação musical suficiente que lhes proporcione condições de trabalho aceitáveis na maioria dos casos. Nesta, como em algumas outras, limitámos a nossa intervenção ao mínimo para evitar a adulteração da composição. Se bem que haja cantigas tão conhecidas que nos vemos compelidos a fazer-lhes orquestrações complexas, outras há que merecem ser mostradas nuas, apenas com alguns enfeites e uma pequena maquilhagem.

Esta paisagem vínica lembra-nos os campos e os socalcos de Covas do Monte durante as vindimas.

Ó meu amor se tu fores.

(tradicional de Manhouce)

Não era obrigatório, mas dá-se o caso desta cantiga tradicional de Manhouce e popularizada pelo Grupo de Cantares de Manhouce, ter a genialidade de não poder ser confundida com outro lugar.

Quem conhecer Manhouce dará consigo a trautear esta cantiga mesmo que a não se lembre de a já ter ouvido. Este pequeno povo rural, engastado no meio da serra e rodeado por céu e rocha, reúne uma cultura muito própria, uma personalidade muito distinta e reconhecível. A pequena igreja, as casas rurais e as ruas calcetadas, a intimidade das pessoas e a simplicidade dos sentimentos, traça uma imagem de linhas suaves, mas fortes. Um pastel de cores frias, cinzas e verdes, salpicado de vermelho aqui e ali, onde esperamos ver surgir por detrás de cada esquina uma moça de cântaro à cabeça fazendo roçar os socos nas pedras da rua.

Deu-nos vontade de abusar das violas e sobrepusemos melodias até que sopa começasse a azedar. Que nos perdoem se exagerámos.

Contradança de Tendais

(tradicional recolhida pelo rancho folclórica da casa do povo de Tendais)

Vamos um pouco mais para nordeste, para a serra de Montemuro, já nas margens do Douro, por entre encostas de xisto forradas de vinha, surge a freguesia de Tendais. Do seu rancho folclórico nos chegou aos ouvidos uma contradança que não resistimos a divulgar. Este género musical é muito próprio do Douro onde chegaram com as invasões francesas há trezentos anos e onde rapidamente ganharam adeptos. Também chamadas quadrilhas, em virtude do marcial hábito que tinham as tropas francesas, de pilhar aldeias, casas, igrejas e tudo o mais em que pudessem pôr mão, estas musicas de ritmo vivo foram concebidas para dançar e são usadas para alegrar o fim dos trabalhos do campo ou bailaricos dentro de portas. Dedicamos este tema à bela imagem dos socalcos verdes de vinha contra a terra de xisto e dos trabalhadores que cirandam entre os corredores de cepa com as cestas às costas no amarelado sol de outono.

O Mostrengo

(musica tradicional e poema de Fernando Pessoa)

Que fique entendido que isto não é uma cantiga, é um poema acompanhado com música. De cima dos fraguedos da Freita virei-me para Oeste e olhei para o Atlântico. Mar aberto, forte, violento e profundo, de onde nos veio tanta glória e tanta desgraça. Entre o mar imenso e a serra enorme que poderia eu dizer que não fosse mera trivialidade?

Foi quando me ressoaram nos ouvidos alguns versos de Fernando Pessoa, quiçá trazidos pelo vento, vindo do meio do Atlântico nas cristas brancas das vagas. Resolvi dar-lhe a palavra.

Chula Rabela

E as festas? Sim porque temos festas nestas vertentes escarpadas.

Toda a gente das aldeias em redor se junta nos terrenos em volta da capela. Enquanto a mulher vai levar a vela à capela da gruta, para pagar a promessa do inverno passado, os homens passeiam os ossos pelo terreiro. De megafone em punho, com o bocal envolvido por um lenço da mão, o pregoeiro de cima da camioneta, glosa as maravilhas de um pacote promocional incluindo um baralho de cartas impermeáveis, não daqueles que ficam ensopados quando se lhe vira vinho branco em cima, uma caixa com meia dúzia de lenços de assoar em seda pura de Cantão, e uma grelha de assar sardinhas em aço inoxidável genuíno. Por mil escudos, o feliz freguês leva tudo isto e ainda mais um lápis hemostático (todos sabemos como fica mal sair à rua com a cara e o pescoço cheio de papeis para segurar o sangue dos golpes que fizemos com a velha navalha de barbear) e ainda um magnífico conjunto de lâminas para a barba canadianas com fio em aço de Toledo.

Depois, muito depois, de barriga cheia do farnel e do garoto (cheio de tinto da tapada) que a mulher trouxe à cabeça, vai uma sestazinha seguida de bailarico, lá pr'á hora da merenda. É aqui que entra a chula. Com rabeca tocada a vinho e ti Justino com os olhos vermelhos do calor e do bagaço com mel a assoprar na gaita de beiços, o povo começa o balho que, afinal, foi pr'a isso que subiram até cá acima.

Como já perceberam, esta chula pertence ao S. Macário (S. Martinho das Moitas, para os da terra).

Dança das Oito Virgens

Chega o Matias com o bombo e altera-se a tocata mais a dança. É que lá vai o tempo em que se fazia o balho com uma ou duas cantigas, além disso o Matias tem uma moda nova que ouviu em S. Pedro. O Matias conduz gado para o matadouro e pr'á feira de S. Pedro e conhece gente importante. Os casacas lá da cidade que também vêm à feira fazer negócio e saber das novidades, contaram-lhe de uma dança nova, das oito virgens. O Matias que não é tolo nenhum não vai em lérias. Com tanta corga escondida, tanto palheiro perdido na serra e invernos tão compridos, onde é que a gente vai encontrar oito virgens? Lá na cidade talvez... Ou, se calhar ainda é pior!

A letra foi feita por um certo professor de Fisico-Química alentejano, mais conhecido pelo pseudónimo de António Gedeão.

Mas esta moda é castiça, o Manel António foi buscar o garoto e duas malgas, o Matias deu uns acordes com o bombo pr'alinhar a tocata e siga o balho enquanto há músicos.

S. Gonçalo de Amarante

Cabe aqui esclarecer que em toda a parte do país (Açores e Madeira incluídos) há cantigas em honra de S. Gonçalo, casamenteiro das velhas) e não é difícil entender porquê.

Com uma harmonia requintada, ao mesmo tempo vulgar e original, sobressai dos muitos S. Gonçalos que temos ouvido por terminar uma frase musical em acorde menor.

A sua riqueza instrumental traz-nos à memória os muitos recantos bucólicos da aldeia da Pena, encravada no fundo de um vale que mais parece uma falha geológica. Nesta cantiga encontramos todas as eiras, canastros (espigueiros), caminhos e degraus, cheios de esquinas, altos e baixos, luz e sombra, madeira e pedra, com que somos obrigados a tropeçar enquanto paramos para deixar passar uma família de gansos que avança pelos tapetes de musgo que o sol deixa pelas três horas da tarde.

Acabámos por juntar esta imagem por ser tão original como a cantiga.

 

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Última actualização: 23/12/23.

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